Resumen:
As Feiras de Ciências promovem aprendizagem ativa e significativa, estimulando a curiosidade, o pensamento crítico e o desenvolvimento de habilidades científicas nos estudantes. O objetivo deste artigo é analisar a existência de aproximações entre aspectos do desenvolvimento dos discentes e docentes nas Feiras de Ciências e os conceitos de Vygotsky e Paulo Freire. Trata-se de uma revisão da literatura com enfoque analítico, onde na Introdução é situado o leitor com uma breve síntese histórica das Feiras de Ciências e suas potencialidades. Na seção de Metodologia e Resultados, é apresentada uma pesquisa de análise qualitativa comparativa, na qual foram elaboradas tabelas de sistematização. Estas são as bases para discussões e inferências posteriores. O artigo finaliza com as Conclusões, nas quais se apresenta que os resultados alcançam o objetivo e estabelecem uma estreita relação entre Vygotsky, Freire e as Feiras de Ciências. Por fim, são expostos os motivos destes achados e o potencial futuro desta pesquisa.
Palabras clave:
análise qualitativa; feiras de ciências; Freire; pensamento crítico; Vygotsky
Abstract:
Science Fairs promote active and meaningful learning, stimulating curiosity, critical thinking, and the development of scientific skills in students. The objective of this article is to analyze the connections between aspects of student and teacher development in Science Fairs and the concepts of Vygotsky and Paulo Freire. This is an analytical literature review. The Introduction provides a brief historical overview of Science Fairs and their potential. The Methodology and Results section presents a comparative qualitative analysis, which includes the development of systematization tables. These served as the basis for subsequent discussions and inferences. The Conclusions ratify that the discussed findings achieve the proposed objective, yielding robust results that establish a close relationship between Vygotsky, Freire, and Science Fairs. Finally, the reasons for these findings and the future potential of this research are discussed.
Keywords:
qualitative analysis; science fairs; Freire; critical thinking; Vygotsky
1. Introdução
É consenso na comunidade acadêmica que realiza pesquisas sobre a temática «Feiras de Ciências» (FC), que esta é uma metodologia alternativa extremamente relevante (Mancuso, 2000). É também uma das metodologias responsáveis por dar início ao rompimento da metodologia do ensino tradicional, dominante inequívoca até a década de 1960, para um ensino mais significativo para alunos, professores, comunidade escolar e à sociedade em sua totalidade (Bernardes, 2023). Neste sentido, as FC são consideradas espaços importantes para o desenvolvimento da criatividade e do espírito científico do aluno no contexto da Educação básica (Silva et al., 2023). Dada sua importância, expansão e popularidade nas últimas décadas, faz-se necessário conhecermos um pouco sobre sua história.
A primeira FC, como atividade pedagógica, aconteceu nos Estados Unidos da América (EUA) no ano de 1928, intitulada “The Children’s Fair”, no Museu Americano de História Natural, em Nova York, surgindo como parte da reformulação educacional à época daquele país. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, houve massivos investimentos pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA) no incentivo, formação e busca de talentos científicos, com o pretexto de segurança nacional. Um dos eventos marcantes foi a realização da Feira Mundial de Nova York entre 1939 e 1940 (Magalhães, 2022). Isso também contribuiu para a expansão das FC e as tornou mais presentes nas escolas desta nação.
A primeira Feira Nacional de Ciências (FNC), ocorreu na Filadélfia, EUA, em 1950, organizada pela atual Society for Science & The Public (Magalhães, 2022), tornou-se um evento anual e oito anos depois tomou proporções internacionais, aceitando trabalhos de todo o globo (Magalhães et al., 2019).
Com tamanha repercussão, as FC logo chegaram a outros países. No Brasil, segundo (Magalhães et al., 2023), a primeira FC aconteceu em 1960 na Galeria Prestes Maia, na região central da cidade de São Paulo. Foi organizada pelo Instituto Brasileiro de Educação Cultural e Ciências (IBECC) criado com o processo de reestruturação do Ensino de Ciências no Brasil, cujo objetivo era promover o progresso no país por meio de investimentos em ciência e tecnologia (C&T). Isso materializando, com orientação de cientistas e educadores, as propostas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Posteriormente, instituições de ensino nas cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco também começaram a trabalhar com as FC. Em 1968, a IBECC do Rio de Janeiro, com a colaboração da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado da Guanabara (SCT), realizou a I Mostra Estudantil da Guanabara, no Museu de Arte Moderna (Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2006) e em 1969 a primeira Feira Nacional de Ciências (I FNC). Indubitavelmente, esta última foi um ponto de virada, dada tamanha divulgação, para as FC como uma viável metodologia de ensino alternativa à tradicional até então majoritária no sistema de ensino no Brasil àquela época.
Ainda para fomentar as propostas da ONU, conforme Abrantes e Azevedo (2010), e alcançar o objetivo principal da IBECC, foi posto em ação, na década de 1970 no Brasil, o Projeto Nacional para Melhoria do Ensino de Ciências. Houve a distribuição, entre outras ações, de kits de laboratório e, na década seguinte, formação continuada para os professores de Ciências para que pudessem trabalhar aulas experimentais e FC, atuando como mediadores na divulgação e efetiva implementação das FC nas escolas do Brasil, consolidando o método experimental e científico.
Muito embora as FC tenham propiciado um ambiente de ensino menos tradicional, mais participativo, dialógico, interacionista, de pesquisa e experimental, ainda assim, em seus primórdios, os projetos desenvolvidos eram muito mais voltados à demonstração e/ou reprodução de experimentos de laboratório e/ou livros didáticos. Nesta época, priorizava-se a demonstração de conteúdos em detrimento da problematização, investigação, criatividade, reflexão, criticidade científico-social-ambiental-cultural e aplicabilidade no mundo real, mas ainda foi um avanço para aquele período (Fracalanza, 1993). Ao longo de seu desenvolvimento, as FC evoluíram e hoje englobam e priorizam todos os aspectos citados no período anterior.
Não há como falar de FC sem citar a pedagogia de projetos, uma vez que estão intrinsecamente ligadas. Historicamente, os primeiros registros de sistematização desta pedagogia remontam ao filósofo e educador norte-americano John Dewey, mas foi com seu discípulo e colaborador, William Kilpatrick, que essa pedagogia se popularizou como um método que emerge da iniciativa infantil (Prado Gobbo, 2023).
Originada no movimento da Escola Nova, a pedagogia de projetos surgiu na Europa por volta de 1890 e consolidou-se no Brasil a partir de 1920 como uma alternativa ao ensino estático e descontextualizado, propondo maior colaboração entre discentes e docentes. Tal pedagogia busca ampliar a compreensão do conhecimento, problematizá-lo e vinculá-lo a situações reais do cotidiano, colocando o estudante como protagonista da aprendizagem e o professor como mediador do processo, favorecendo uma formação significativa e contextualizada (Flauzino & Abranches, 2024).
Nessa perspectiva, as FC também são notáveis como uma aplicação direta da Pedagogia de Projetos. Ademais, as FC, inelutavelmente, possibilitam um ambiente extremamente fértil que, por meio da mediação docente dialógica e da interação/colaboração dos agentes envolvidos, oportuniza uma aprendizagem conjunta (Santos et al., 2020). Dessa forma, os aprendizes vivenciam situações e experiências de aprendizado enriquecedoras que extrapolam a vida escolar.
Neste sentido, Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014) categorizam aspectos do desenvolvimento de discentes e docentes que participam de FC, os quais são utilizados posteriormente como base comparativa para a construção dos resultados e discussões. São eles: 1) os alunos se aprimoram de conhecimentos e formas de pesquisas (alfabetização científica e primeiros contatos com “iniciação científica”), 2) aprendizagem mediada, ativa e problematizadora contextualizada, muitas vezes interdisciplinar, 3) desenvolvem olhar crítico-reflexivo para solucionar situações problemas (temas de seus projetos) contextualizando sua realidade/localidade, 4) desenvolvimento de habilidades manuais/motoras, 5) autonomia, 6) desenvolvimento da oratória, 7) maior capacidade de argumentação, 8) socialização/interação coletiva, 9) mudança de hábitos para se adequar à nova realidade de ensino, 10) afetividade (sentimento de pertencimento ao grupo, projeto), 11) motivação e 12) liderança e maior visão de mundo político-científica, ação transformadora que seu projeto busca solucionar, diagnosticar ou orientar a minimizar. É neste viés que as FC têm seu destaque e contribuição como metodologia alternativa às tradicionais e como recurso educacional palpável e perfeitamente executável na educação básica.
Diante do exposto, agora se aprofunda a compreensão sobre as FC em sua totalidade e suas possibilidades como metodologia ativa e alternativa à convencional e suas potencialidades para o desenvolvimento de práticas pedagógicas eficazes. Na próxima seção serão sistematizadas as principais contribuições conceituais de Vygotsky e Freire conforme Santos (2024), Souza (2021), Urtiga Moreira e Zabotto Pulino (2021) e outros para embasar as duas últimas seções deste artigo.
Assim, este artigo busca analisar possíveis aproximações entre conceitos de Vygotsky e Freire e os aspectos categorizados do desenvolvimento de discentes e docentes em FC, conforme categorizado por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014). Para isso, realiza-se uma breve revisão das contribuições conceituais mais relevantes daqueles autores para o ensino, seguida de uma análise comparativa teórica com os referidos aspectos do desenvolvimento com o objetivo de sistematizar tais aproximações.
2. Revisão da literatura
As Feiras de Ciências têm se consolidado como ambientes de aprendizagem ativa que favorecem a experimentação, a colaboração e o protagonismo estudantil. Nesse sentido, o estudo de Guevara e Lemus-Barrios (2019) constata que esses eventos educativos incentivam a construção de saberes por meio da investigação coletiva, reforçando princípios vygotskianos de mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP), bem como valores freireanos de autonomia e ação transformadora. Essa perspectiva encontra respaldo na afirmação de Vygotsky ao destacar que “o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar apenas quando a criança está em interação com pessoas em seu ambiente e em cooperação com seus companheiros” (2007, p. 60-61).
Pesquisadores têm se debruçado sobre as articulações teóricas entre Freire e Vygotsky na Educação. Gehlen et al. (2010), identificaram convergências em temas como linguagem, mediação e construção compartilhada do conhecimento, apontando que a problematização (central na pedagogia freireana) e a significação conceitual (foco de Vygotsky) ainda são pouco discutidas nas pesquisas práticas em periódicos.
No âmbito da Educação em Ciências, Gehlen et al. (2008) também analisaram articulações entre os dois autores, destacando que ambos valorizam o conhecimento cotidiano, o papel dos mais experientes, sejam professores ou colegas, e a construção coletiva como mecanismo de aprendizagem crítica. Nesse sentido, Freire (2021, p. 25) afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construçã”. Essa visão enfatiza o papel ativo do educando no processo educativo, em consonância com as concepções vygotskianas de construção social do conhecimento e com a proposta das FC como espaços de autoria e significação.
Pizani e Oliveira (2017) contribuem discutindo as relações entre mediação e aprendizagem à luz das teorias de Freire e Vygotsky, demonstrando que os autores convergem na valorização do papel do outro na construção do conhecimento. Destacam ainda a importância de práticas pedagógicas concretas de mediação docente dialógica, tanto na perspectiva histórico-cultural quanto na pedagogia freireana, é fundamental para o desenvolvimento de aprendizagens significativas, emancipadoras e socialmente situadas.
Ademais, Castro Martins et al. (2019), ao analisarem duas décadas de produções no ENPEC, identificaram que apenas uma pequena fração dos trabalhos articula diretamente as concepções práticas de Freire e Vygotsky. Embora ambos sejam amplamente citados, são raras as pesquisas que exploram suas convergências em dimensões práticas, como linguagem, mediação e problematização, em experiências pedagógicas concretas. Essa lacuna reforça a importância de estudos que investiguem essa articulação.
Diante do panorama exposto, fica evidente que embora haja o reconhecimento das afinidades entre Freire e Vygotsky, carecem investigações que analisem como essas teorias se manifestam em experiências pedagógicas práticas e concretas com as FC. Isso justifica a necessidade desta pesquisa que tem como objetivo analisar possíveis aproximações entre conceitos desses dois autores e os aspectos do desenvolvimento de discentes e docentes em FC, conforme categorizado por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014).
2.1. Contribuições de Vygotsky para o ensino
A Teoria Sociocultural de Vygotsky destaca a importância das interações sociais e do contexto cultural no processo de desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem sistematizada (Rosa & Goi, 2024). Para Vygotsky, a aprendizagem acontece quando o indivíduo participa de atividades culturais e interage com outros mais experientes. Dessa forma, o indivíduo internaliza novos conhecimentos (Moreira, 2011).
Analisando a teoria de Vygotsky no contexto da educação, as práticas pedagógicas devem considerar a cultura, os valores e as experiências dos aprendizes, bem como a mediação de indivíduos mais experientes, com o objetivo de proporcionar um ambiente de aprendizagem mais relevante e significativo. Nesse sentido, os docentes podem utilizar essa teoria e seus conceitos derivados para planejar atividades pedagógicas mais eficazes (Teixeira, 2022).
Vygotsky deixou um legado indelével. Segundo Fiori e Jappe Goi (2021), suas teorias e conceitos, como o papel da linguagem, funções mentais superiores, zona de desenvolvimento proximal (ZDP), e aprendizagem mediada, se perpetuam e são atualmente pesquisados e aplicados também na área educacional. Seus estudos destacam a relevância da cultura, da interação social, do papel mediador dos professores na evolução cognitiva e no processo de aprendizagem dos indivíduos. Vygotsky (2007) acreditava que o desenvolvimento cognitivo era moldado pelas interações socioculturais das pessoas e que esse desenvolvimento não poderia se dar isoladamente.
A linguagem, para Vygotsky (2007), desempenha papel fundamental não só na comunicação, mas também para moldar o pensamento, as interações sociais, mediar a aprendizagem e internalizar conceitos. Para isso, recorre à ideia de instrumentos (ferramentas físicas ou psicológicas que mediam a interação entre a pessoa e o ambiente) e signos (sistemas de símbolos que representam significados compartilhados socialmente), essenciais para o desenvolvimento cognitivo.
É por meio do uso da linguagem, por exemplo, que as crianças começam a se autorregular e planejar suas ações e assim internalizar os conceitos. Ainda segundo Vygotsky (2007), a valorização da linguagem possibilita ambientes de aprendizagem mais dialógicos que pressupõem discussões, reflexão, oratória, capacidade de argumentação e sistematização de conhecimento.
Neste sentido, Moreira (2011) ensina que, por meio do desenvolvimento da linguagem são adquiridas algumas funções, tais como: 1) Comunicação, a qual permite que as pessoas interajam melhor, estabelecendo conexões sociais, emocionais, desejos, necessidades, troca de experiências, conhecimento e pensamentos; 2) Pensamento mediado, que proporciona a organização e regulação do pensamento, logo, permite refletir, planejar e autorregular o comportamento; 3) Internalização: conforme os indivíduos interagem com outros mais experientes, o conhecimento da linguagem verbal é aprimorado e internalizado em processos mentais; é desta forma que ocorre o desenvolvimento cognitivo, assimilando conhecimentos e práticas culturais em níveis cada vez mais complexos até conseguirem realizar essas ações de forma independente.
Quanto às funções mentais, Vygotsky as segrega em duas: elementares e superiores. Aquelas dizem respeito principalmente às funções presentes no início do desenvolvimento humano, como controle motor simples, reflexo, percepção e memória sensorial, entre outras. Já a funções mentais superiores, se desenvolvem com a interação sociocultural, uso da linguagem e a internalização de conceitos culturais, dizem respeito às funções que envolvem processos cognitivos mais avançados como pensamento abstrato, planejamento, resolução de problemas e autorregulação (Vygotsky, 2007).
Neste contexto, as principais funções mentais superiores são: 1) Atividade simbólica, capacidade de usar símbolos como palavras, números, diagramas e imagens para representar conhecimentos; 2) Memória voluntária, aptidão de lembrar intencionalmente de conhecimentos e usá-los na tomada de decisões; 3) Planejamento e resolução de problemas, destreza de sistematizar conhecimentos e aplicá-lo seletivamente para alcançar um objetivo; 4) Autorregulação, faculdade de controlar seu comportamento, emoções e pensamentos segundo as demandas do ambiente; 5) Pensamento abstrato, competência em fazer generalizações, compreender ideias complexas e conceitos menos palpáveis, como liberdade, amor, justiça, ética, que não podem ser percebidos diretamente (Vygotsky, 2007).
Van Der Veer e Valsiner (1991) destacam que um dos conceitos mais significativos da Teoria de Vygotsky é o da ZDP, que descreve basicamente o processo de aprendizado. É a área que fica entre o atual nível cognitivo do indivíduo (ponto de partida), definido pela capacidade autônoma de realizar suas tarefas sem assistência ou suporte, e o nível cognitivo pretendido (ponto final), nível de conhecimentos que se deseja atingir. Ou seja, a ZDP é a zona de transição que fica imediatamente após a zona atual e antes da zona pretendida.
Neste sentido, o diagnóstico da ZDP dos discentes é vital para o planejamento de aulas eficazes, pois assim podem ser oferecidas orientações adequadas aos discentes, desafiando-os com tarefas que estão na zona pretendida, mas que podem ser alcançadas com a mediação docente.
Em outras palavras, a ZDP é uma zona intermediária, uma lacuna entre a zona atual e a pretendida, sendo nela onde ocorrem os processos de aprendizagem por meio da mediação, suporte e orientações de indivíduos mais experientes para alcançar a zona pretendida. Assim, para Vygotsky (2007), o desenvolvimento cognitivo do sujeito não pode ser verificado apenas pela zona atual, mas também pela potencialidade de atingir a zona pretendida.
A ZDP enfatiza a interação social entre os indivíduos e sujeitos mais experientes e o meio em que estão inseridos. Esta é uma forma de expandir a zona atual, permitindo que o aprendiz alcance novas habilidades e conhecimentos, passando pela ZDP, atingindo a zona pretendida, que, agora, é sua nova zona atual de desenvolvimento cognitivo, aspirando outra futura zona mais complexa. Este processo se repete, permitindo assim que o aprendiz esteja em constante processo de desenvolvimento do seu nível cognitivo (Van der Veer & Valsiner, 1991).
Outro conceito bastante significativo, conforme Vygotsky (2007), é o de aprendizagem mediada. Esse processo de aprendizagem acontece de forma mais eficaz quando há um mediador da aprendizagem, como o professor, tutor, familiar ou indivíduo mais experiente na temática pretendida, colaborando na aquisição de novos conhecimentos e habilidades em níveis cognitivos mais avançados, antes inacessível (zona pretendida), mas agora acessível por estar na ZDP do aprendiz.
Conclui-se que a aprendizagem não acontece apenas por meio da interação direta entre os indivíduos de um mesmo nível cognitivo ou destes com o ambiente. Neste sentido, o professor possui o papel fundamental de orientador que colabora na execução de tarefas mais complexas, apresentando abordagens facilitadoras para a expansão da zona cognitiva atual. Isso implica que, por meio de abordagens de ensino, instigar os discentes a colaborarem entre eles e a interação com o docente-mediador, estimular o diálogo, debate, investigação, reflexão e problematização são atividades que contribuem para a elaboração/assimilação do conhecimento pretendido (Schneuwly & Leopoldoff Martin, 2022).
A aprendizagem mediada está relacionada diretamente a conceitos como: interação social (principalmente com o mediador), ZDP (o mediador atua dentro da ZPD do orientando), linguagem (vital para o mediador desempenhar seu papel), internalização (objetivo do orientando é internalizar conhecimentos novos para uso independente e aspirar nova zona futura) e a Scaffolding / Andaimes (o mediador fornece ao orientado suportes provisórios e sistematizados, regulando-os gradualmente até que o aprendiz se torne independente). Assim, diante do exposto, muitas são as contribuições conceituais indeléveis deixadas por Vygotsky para o ensino que serão analisadas à luz do objetivo deste artigo.
2.2. Contribuições de Freire para o ensino
Devido às experiências vivenciadas, Freire assume o compromisso de tentar transformar a sociedade por meio da educação. Freire acreditava que a educação deveria ir além do ler e escrever, precisava ser libertadora. As pessoas deveriam, com o conhecimento adquirido, questionar as estruturas sociais de desigualdade, o porquê se encontram na atual situação e o que pode ser feito para mudar, daí a importância da educação como instrumento emancipatório e libertador.
Para Moreira (2011), entre várias obras escritas por Freire, duas têm mais destaque para a área educacional. A primeira, Pedagogia do Oprimido, busca, por meio da mediação do educador, desenvolver, nos educandos, a conscientização de sua situação social, possibilitando uma visão crítica do seu entorno, encorajando-os a refletir e agir para serem agentes de transformação (práxis) da sua realidade, percebendo a importância desta educação como dispositivo de libertação e emancipação dos oprimidos. A segunda, Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa, discute a autonomia de discentes e docentes na aprendizagem, ressaltando a importância da ética, reflexão e da responsabilidade na prática educativa (Freire, 2021).
Segundo Vasconcelos e Brito (2006), essas obras, bem como outras, possuem desdobramentos conceituais importantíssimos para a área da educação, tais como: 1) Conscientização: educadores auxiliam na promoção da percepção crítica sobre a realidade política, econômica e social, de modo a situar-se e compreender as fontes de sua opressão, podendo agir para transformar sua realidade; 2) Educação dialógica/Problematizadora: uma vez que a educação é um processo de interação de mútua troca de conhecimento, reflexão, pesquisa, solução, ação e mudança do qual fazem parte os educadores e educandos, valorizando experiências e saberes prévios e a construção conjunta do conhecimento pretendido; 3) Educação libertadora: promove a liberdade e emancipação dos indivíduos, encorajando o engajamento ativo dos educandos, possibilitando tornarem-se agentes de transformação social e de seu processo educativo; 4) Cultura como base: reconhecimento da cultura “in loco” e experiências prévias como ponto de início para a aprendizagem, o que possibilita laços significativos entre o conhecimento formal e as vivências dos indivíduos; e 5) Práxis: mescla de reflexão do conhecimento adquirido e posterior ação para que a educação seja um vetor da transformação de sua realidade social.
Os conceitos apresentados representam apenas uma parte dos conceitos mais relevantes elaborados por Freire com possibilidade de aplicação na prática pedagógica docente. A perspectiva didática deste intelectual parte do diálogo horizontal, da valorização cultural e experiências prévias dos indivíduos, para daí problematizar situações que almejam impulsionar a percepção reflexiva do pensamento crítico, de modo a engajar a participação ativa.
A participação ativa dos educandos se materializa em um vetor de ação que possibilita a transformação social e dos indivíduos, capaz de libertá-los das amarras da opressão e da desigualdade social vivenciadas em seus mais diversos contextos, promovendo uma educação democrática, inclusiva, libertária e emancipatória dos educandos (Freire, 2021).
Neste sentido, fica evidente que a perspectiva freireana dialoga significativamente com a teoria sociocultural de Vygotsky ao considerar o papel da mediação, da linguagem e da interação social no processo de aprendizagem. Como afirma Freire (2021): “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”, pois ambos “se encontram no corpo do professor em sua prática” (p. 14), o que ressalta o papel ativo, mediado e investigativo do sujeito em formação.
De modo convergente, Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como: “a distância entre o nível real de desenvolvimento [...] e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela resolução de problemas sob orientação de adultos ou em colaboração com companheiros mais capacitados” (2007, p. 86). Essa complementaridade evidencia que, tanto para Freire quanto para Vygotsky, o processo educativo é essencialmente dialógico, mediado, colaborativo e transformador. Em experiências concretas, como as FC, essa concepção se concretiza: o estudante é desafiado a investigar, refletir, dialogar e produzir conhecimento, mediado por educadores que atuam como facilitadores de sua autonomia, em um processo de construção coletiva do saber.
Diante das contribuições discutidas nesta seção, este estudo fundamenta-se em conceitos-chave das obras de Vygotsky e Freire que dialogam diretamente com os aspectos formativos observados nas FC, sistematizados nas tabelas da seção 4. No caso de Vygotsky, evidenciamos a ZDP que destaca o papel do outro mais experiente no processo de aprendizagem; a mediação como mecanismo sociocultural fundamental para o desenvolvimento humano e a linguagem e interação social como instrumentos para a internalização de conhecimentos e a construção do pensamento.
Já em Freire, evidenciamos a consciência crítica como objetivo formativo; a dialogicidade como princípio educativo que rompe com a educação bancária e promove relações horizontais de ensino e aprendizagem; a práxis como articulação entre ação e reflexão transformadora e a valorização da autonomia para formação emancipadora. A partir desses referenciais, esta pesquisa buscou identificar aproximações conceituais com os aspectos do desenvolvimento de discentes e docentes em FC, conforme sistematizados por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014), evidenciando como essas experiências educativas concretas podem expressar e materializar fundamentos da teoria sociocultural e da pedagogia crítica.
3. Metodologia
O percurso metodológico é parte essencial para a validade e a confiabilidade dos resultados científicos. Segundo Bloise (2020), a metodologia é fundamental para pesquisas acadêmicas, pois fornece a base teórica e prática necessária para uma investigação rigorosa e de excelência.
Diante disso, esta é uma pesquisa do tipo descritiva exploratória, de natureza qualitativa, comparativa e teórica, uma vez que aborda a investigação que busca compreender fenômenos complexos a partir da perspectiva dos autores. A análise dos dados é feita de forma interpretativa a fim de identificar padrões, temas e categorias (Lösch et al., 2023).
A análise foi feita por meio de pesquisa dos principais conceitos de Vygotsky e Freire, discorridos na revisão da literatura utilizada nesta pesquisa e na temática FC, sistematizados por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014). A pesquisa descritiva exploratória via análise de conteúdo é feita segundo Bardin (2020), onde ela descreve a análise de conteúdo como um método de investigação que visa identificar, codificar e categorizar os elementos presentes em um texto para inferir significados a partir desses elementos. Os principais passos envolvidos nesta análise de conteúdo são: pré-análise, exploração do material, codificação, categorização, análise, interpretação e tratamento dos resultados.
Dada a complexidade e a viabilidade da pesquisa em analisar e discutir a existência ou não de aproximações entre conceitos fundamentais de Vygotsky e Freire e aspectos do desenvolvimento dos discentes e docentes da educação básica, conforme categorizado por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014), não foi possível seguir estritamente todas as etapas conforme Bardin (2020). Para tanto, primeiro é vista uma breve descrição das principais contribuições conceituais destas duas personalidades, para só depois materializar esta metodologia, conforme descrita.
Ressalta-se que esta pesquisa configura-se como uma revisão de literatura com enfoque analítico e não envolve coleta de dados empíricos. Essa delimitação é fundamental para explicitar o caráter teórico-reflexivo desta investigação, evitando possíveis interpretações equivocadas quanto ao tipo de pesquisa realizada.
4. Resultados
Nesta seção, são apresentados os resultados da pesquisa. Para tanto, foram produzidas quatro tabelas, conforme descrito na metodologia, a fim de tornar os resultados produzidos mais representativos e sistematizados para a visualização das possíveis pontes conceituais existentes.
Estes resultados possibilitam, na próxima seção, a discussão e conclusões sobre a existência de aproximações do desenvolvimento dos discentes e docentes nas FC, conforme categorizado por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014), com alguns conceitos já estabelecidos segundo Vygotsky (2007) e Freire (2021), apresentados na revisão da literatura. A seguir, a primeira das quatro tabelas apresenta a sistematização das aproximações conceituais de Vygotsky com os aspectos categorizados, segundo a referência, do desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, vinculando conceitos-chave deste pesquisador.
Os dados da Tabela 1 evidenciam que os conceitos fundamentais da teoria de Vygotsky aparecem refletidos significativamente nas experiências vividas por discentes e docentes nas FC. A centralidade da linguagem como instrumento de mediação do pensamento é perceptível no desenvolvimento da argumentação, oratória e interação nos aspectos categorizados. A ZDP aparece nas situações de aprendizagem colaborativa, onde estudantes, mediados por outros mais experientes ou orientadores, superam limitações e avançam na autonomia e motivação (Vygotsky, 2007). A internalização de conceitos por meio do uso de signos e instrumentos, bem como outros conceitos, apresenta-se por meio de aspectos categorizados do desenvolvimento docente e discente como problematização contextualizada, mediação do conhecimento e visão político-científica diante de novos significados atribuídos ao conhecimento.
Esses achados aprofundam os estudos de Gehlen et al. (2008) e Ferreira da Silva (2022), ao evidenciar como os princípios vygotskianos se concretizam no cotidiano de eventos como as FC, indo além de explorações teóricas ao demonstrar sua aplicabilidade concreta. Tais resultados sugerem que, para potencializar ainda mais o desenvolvimento nas FC, é necessário que suas propostas didáticas priorizem intencionalmente espaços de mediação dialógica e cooperação entre pares, reforçando os pilares da teoria sociocultural de forma contextualizada e crítica.
Em seguida, apresenta-se a segunda das quatro tabelas. Esta detalha a sistematização das aproximações conceituais de Freire, destacando como esses conceitos se relacionam com o desenvolvimento dos discentes e docentes nas FC. Os achados mostram as correlações entre as concepções de Freire (2021) e como elas estão presentes e se refletem nos conceitos revisados, proporcionando uma compreensão ampla dessas contribuições teóricas de Freire, vinculadas a aspectos do desenvolvimento segundo Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014).
A Tabela 2 mostra os principais conceitos freirianos que possuem pontos de aproximação e a quais aspectos do desenvolvimento de discentes e docentes participantes das FC estes se aproximam. Esses resultados demonstram que as FC não apenas possibilitam a ampliação do repertório científico, mas também promovem uma formação ativa, problematizada, ético-social, política e reflexiva, alinhando-se à concepção de educação como prática da liberdade (Freire, 2021). A ênfase em aspectos como autonomia, aprendizagem mediada e contextualizada, ação transformadora e argumentação crítica confirma a dialogicidade como eixo estruturante dessas vivências, tal como apontam Gehlen et al. (2010), ao destacarem a dialogicidade e a mediação como fundamentos da construção compartilhada do conhecimento.
Essa análise avança em relação a estudos de Castro Martins et al. (2019), ao demonstrar, com base em dados sistematizados, que as aproximações entre a pedagogia freireana e as práticas das FC vão além do plano teórico. Dessa forma, para que essas feiras cumpram seu potencial emancipatório, é necessária a intencionalidade nas ações dialógicas e a mediação na escuta ativa e na valorização dos saberes dos estudantes (Gehlen et al., 2008).
A terceira das quatro tabelas possibilita uma análise das inter-relações entre a Teoria Sociocultural e a Teoria da Pedagogia do Oprimido e como essas teorias se conectam ao desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, conforme categorizado por Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014). A tabela sistematiza os nexos encontrados entre os principais conceitos teóricos de Vygotsky (2007) e Freire (2021) e como estes se concatenam ao contexto dos aspectos do desenvolvimento nas FC.
A Tabela 3 destaca conexões centrais entre os fundamentos da teoria sociocultural de Vygotsky e a pedagogia do oprimido de Freire, mostrando como ambos convergem com aspectos do desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, categorizados pelo referencial. No contexto das FC, os dados indicam que a mediação, seja por indivíduos mais experientes (Vygotsky, 2007) ou pelo educador problematizador (Freire, 2021), é determinante para ampliar o repertório conceitual, fortalecer a autonomia e favorecer ações transformadoras sociais e motivacionais.
Assim, essa inter-relação avança em relação a estudos como os de Castro Martins et al. (2019), mostrando que a articulação entre essas teorias não é apenas conceitual, mas pode ser efetivamente observada nas práticas vividas por estudantes e professores nas FC. Com isso, reforça-se que, para que as FC cumpram seu papel formativo, elas precisam ser intencionalmente estruturadas como espaços de diálogo, mediação e criticidade, capazes de integrar dimensões cognitivas e sociopolíticas da aprendizagem, conforme acontece no desenvolvimento de projetos de FC.
Nexos entre a Teoria Sociocultural, Pedagogia do Oprimido e o desenvolvimento de discentes e docentes nas FC
Por fim, a última tabela apresenta aspectos-chave de possíveis contrastes entre a Teoria Sociocultural, a Pedagogia do Oprimido e o desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, revelando os principais pontos conceituais divergentes dessa tríade, ao mesmo tempo em que possibilita explorar suas limitações.
A Tabela 4 revela contrastes relevantes entre a teoria sociocultural de Vygotsky e a pedagogia do oprimido de Freire e como esses referenciais divergem com aspectos do desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, categorizados pelo referencial; especialmente no que se refere ao foco da aprendizagem. Enquanto a primeira privilegia aspectos cognitivos mediados por instrumentos culturais na ZDP (Vygotsky, 2007), a segunda valoriza a problematização do contexto para o desenvolvimento de uma consciência crítica e emancipadora (Freire, 2021). Esses contrastes ajudam a compreender as múltiplas dimensões do desenvolvimento promovido pelas FC que, embora estimulem a alfabetização científica e habilidades cognitivas, também podem integrar ações voltadas à reflexão crítica, afetividade e transformação social.
Portanto, essa visão integradora reforça a importância de estruturar as FC não apenas como espaço de produção de conhecimento, mas como prática dialógica comprometida com a realidade vivida pelos sujeitos (Freire, 2021; Vygotsky, 2007). Ao reconhecer tanto as convergências quanto os limites entre essas abordagens, esta análise aprofunda as discussões anteriores ao indicar que a efetivação de FC mais formativas exige intencionalidade pedagógica alinhada à formação integral preconizada pela BNCC (Ministério da Educação, 2018), considerando o sujeito em sua totalidade.
Contrastes entre a Teoria Sociocultural, Pedagogia do Oprimido e o desenvolvimento de discentes e docentes nas FC
Assim, os resultados apresentados por meio das quatro tabelas proporcionam uma visão abrangente das pontes conceituais entre conceitos das Teorias de Vygotsky e Freire e suas implicações para o desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, mas também suas limitações. Ademais, estes resultados fornecem uma base sólida para a discussão e conclusões mais aprofundadas na seção subsequente.
5. Discussão e conclusões
Diante da realidade exposta na seção anterior, foram produzidas quatro tabelas de resultados para alcançar o objetivo proposto. A análise da Tabela 1 revela aproximações conceituais entre Vygotsky e o desenvolvimento de discentes e docentes nas FC, ratificando a aplicação de conceitos vygotskianos conforme Gehlen e Delizoicov (2020). Ela aponta que o conceito de linguagem desempenha um papel crucial no aprimoramento da argumentação, socialização e interação coletiva dos participantes, alinhando-se às ideias de Vygotsky (2007) sobre a importância da linguagem na construção do conhecimento. Assim, as FC promovem uma aprendizagem mediada e ativa, potencializando essas habilidades e reforçando a relevância dos conceitos de Vygotsky (2007).
Adicionalmente, a relação entre as funções mentais superiores e o desenvolvimento de uma visão crítico-reflexiva e político-científica é destacada por Tessaro e Silva (2022), enfatizando o papel do contexto sociocultural na formação da consciência crítica. As FC proporcionam interações significativas e contextualizadas, favorecendo a autonomia e a mudança de hábitos, conforme observado na exploração da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), discutida por Rodrigues et al. (2021).
A internalização de conceitos mediada por instrumentos e signos culturais, abordada por Vygotsky (2007), promove a transformação das funções mentais superiores, integrando competências práticas e teóricas nos estudantes. Além disso, a autorregulação e a ampliação da visão político-científica, conforme Moreira (2011), emergem como fatores que impulsionam uma ação transformadora, destacando o papel das FC no desenvolvimento do pensamento crítico e na transformação social.
A Tabela 2 evidencia a integração dos conceitos de Paulo Freire com o desenvolvimento de discentes e docentes nas FC. Os dados demonstram que as FC refletem os princípios freirianos. A conscientização manifesta-se por meio da aprendizagem mediada e ativa nas FC, que promove um olhar crítico e autonomia, alinhando-se às ideias de Freire sobre a importância de uma educação problematizadora e contextualizada (Moreira, 2011). A educação dialógica e libertadora é visível na capacidade de argumentação e interação coletiva dos participantes, imbuída da relevância desses princípios para o desenvolvimento crítico e a ação transformadora (Freire, 2021).
O conceito de cultura como base também se faz presente nas FC, onde a socialização e a aprendizagem são contextualizadas culturalmente, conforme Freire (2021) no contexto educacional. A práxis une teoria e prática, evidente nas FC ao permitir a aplicação prática dos conhecimentos, promovendo a transformação social e educacional (Vasconcelos & Brito, 2006).
A discussão da Tabela 3 revela uma integração significativa entre a Teoria Sociocultural de Vygotsky e a Pedagogia do Oprimido de Freire nas FC. Vygotsky (2007) argumenta que o desenvolvimento cognitivo ocorre por meio de interações sociais mediadas por indivíduos mais experientes, o que é fundamental para a expansão da ZDP. Nas FC essas interações mediadas são evidentes, corroborando a aplicação dos conceitos vygotskianos em contextos educacionais reais (Santos et al., 2020), além de outros conceitos já vistos na Tabela 1.
Por outro lado, Freire (2021) propõe uma educação dialógica e problematizadora que promove uma participação ativa dos alunos e estimula a reflexão crítica e a ação transformadora. Em harmonia com essa abordagem, as FC oferecem um ambiente profícuo para que os participantes desenvolvam autonomia, habilidades de argumentação e liderança, alinhando-se com os princípios da Pedagogia do Oprimido (Rosa Soares et al., 2024).
A Tabela 4 destaca algumas limitações entre a Teoria Sociocultural de Vygotsky e a Pedagogia do Oprimido de Freire, aplicadas ao desenvolvimento de discentes e docentes nas FC. Ela apresenta que a Teoria Sociocultural enfatiza o desenvolvimento cognitivo por meio da interação social e a ZDP, ressaltando a importância do uso de instrumentos e signos culturais na construção do conhecimento (Vygotsky, 2007), enquanto a Pedagogia do Oprimido foca na educação como prática de conscientização por meio de situações problematizadas e contextualizadas (Freire, 2021).
Os aspectos do desenvolvimento em questão nesta análise ressaltam habilidades motoras e afetivas além dos processos de alfabetização científica, conforme Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014). Assim, embora tenha sido encontrado nas Tabelas 1, 2 e 3 a forte existência de nexos que vinculam aspectos do desenvolvimento dos discentes e docentes nas FC a conceitos de Vygotsky e Freire, é fundamental notar que a vinculação não é unânime, conforme mostrado na Tabela 4. Esta expõe aspectos sutis de “contrastes”, mas, vale ressaltar, que essa observação não invalida ou contrapõe os achados nas três tabelas anteriores, apenas mostra as limitações desses nexos e vinculações nessa tríade.
Feita essas discussões, é possível concluir que o objetivo da pesquisa foi alcançado com êxito, pois foi constatada, conforme visto nas tabelas 1 a 4 e suas discussões, a existência de nexos de aproximações que vinculam conceitos de Vygotsky (2007) e Freire (2021) ao desenvolvimento dos discentes e docentes por meio da abordagem de projetos das FC realizadas, segundo Mancuso (2000) e Nascimento Filho (2014). Isso corrobora a importância da metodologia utilizada no desenvolvimento dos projetos das FC como viável, relevante e alternativa à tradicional que ainda se perpetua no Brasil (Ferreira da Silva et al., 2022).
Assim, as FC não são apenas eventos escolares anuais, mas oportunidades contínuas para o desenvolvimento integral e interdisciplinar dos estudantes e professores, capacitando-os a serem cidadãos críticos, criativos e transformadores da sociedade.
Para além destas conclusões, as FC oportunizam a implementação prática e interdisciplinar de conceitos vygotskianos e freirianos para o desenvolvimento de discentes e docentes. Logo, infere-se também que as FC podem ser estratégias pedagógicas valiosas, alinhada com os princípios educacionais contemporâneos como a participação ativa dos estudantes, o desenvolvimento de habilidades cognitivas, a compreensão crítica da realidade e a construção da consciência cidadã, conforme parâmetros da Base Nacional Comum Curricular (Ministério da Educação, 2018), visto que são ambientes propícios para o desenvolvimento destes conceitos fundamentais, pois possibilitam uma educação problematizadora, mediada, contextualizada, crítica e transformadora (Teixeira, 2022).
Pensando em continuidade desta pesquisa, pode-se desenvolver um estudo de estado da arte ou do conhecimento, mapeando as produções acadêmicas sobre este tema para consolidar as FC como uma ferramenta valiosa para o ensino e aprendizagem. Ademais, outra possibilidade de pesquisas posteriores poderia dedicar-se ao estudo aplicado de estratégias metodológicas inspiradas em Vygotsky e Freire em FC de modo a avaliar não apenas os benefícios para o desenvolvimento dos estudantes, mas também a formação contínua dos docentes e o fortalecimento da cultura científica nas escolas.
Agradecimentos e reconhecimentos
Os autores agradecem à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), ao Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e à Secretaria de Educação do Ceará, instituições às quais os autores estão vinculados. Agradecem, ainda, ao programa de Doutorado em Ensino - Renoen, Polo IFRN, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil, pelo apoio e financiamento ao projeto n.° 406323/2021-6 e à bolsa de doutorado
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Out 2025 -
Data do Fascículo
Dez 2025
Histórico
-
Recebido
28 Maio 2025 -
Revisado
10 Ago 2025 -
Aceito
03 Set 2025 -
Publicado
24 Out 2025
